1. É
possível acreditar na política?
Quando se inicia o processo eleitoral, a nossa tão
aclamada democracia entra em êxtase. Em pouco tempo surgem cavaletes e banners por toda parte, santinhos
espalhados pelas ruas, propaganda eleitoral gratuita, pinturas em muros e
também aqueles jingles martelando
nossas cabeças, o que nos faz ouvi-los até na hora de dormir. Este imenso
ritual moderno, após poucos meses de louvor, finalmente culmina na comunhão das
urnas. Uma vez chegado ao fim, retornamos ao cotidiano de nossas vidas, tudo
voltar ao “normal” até que se passem dois anos para enfim sermos, mais uma vez,
convocados a este imenso culto democrático.
Somos convocados a participar do processo
eleitoral, motivados tanto pelos políticos (diretamente interessados em nossa
participação no pleito, afinal precisam de nossos votos para se eleger) quanto
pela mídia em geral (que nos bombardeia diariamente falando sobre a necessidade
do envolvimento da sociedade neste processo). Mas, poderíamos dizer também que
nossa participação, ou pelo menos da maioria, é motivada pela esperança de que
a permanência ou a mudança na composição política partidária implique em
mudanças significativas para nossas vidas.
Em verdade, somos todos inseridos neste processo
eleitoral de forma tão sutil, que temos a impressão de que tudo é muito
natural. É comum reproduzirmos as exigências da nossa sociedade sem questionar
o real sentido das coisas, afinal, muitas delas acontecem desde muito antes de
nós nascermos. Até que certo dia, paramos e pesamos: “porque as coisas são
assim?”. Na maior parte das vezes não encontramos uma resposta imediata, até
porque não são questões simples de responder. Precisamos, inclusive, ter certo
“desconfiômetro” para respostas fáceis demais, elas podem ser muito
superficiais, ou até cheias de interesses ocultos. Afinal, tem muita gente
buscando respostas para os seus próprios problemas, inevitavelmente aparece
alguém querendo nos dar as respostas. Este é o retrato das propagandas
eleitorais: respostas simples para problemas difíceis.
Infelizmente, nem todos os problemas podem ser tão
facilmente resolvidos como propõem os candidatos. Uma forma de perceber isso é
refletir sobre o que realmente mudou desde que certo candidato foi eleito.
Certamente muita água passou por debaixo da ponte, e até pode ser que a vida de
alguém melhorou de uns anos pra cá, mas será que isso vale para a grande maioria
das pessoas? Será que todas as classes sociais se beneficiam igualmente do tão
idolatrado crescimento econômico brasileiro? Essas mudanças são “grande coisa”
para a maior parte dos trabalhadores? A vida está fácil para você? O tempo está
cada vez mais corrido, a ponto de desejar que o dia tivesse mais que 24 horas?
Pois é, por que isso tem que ser assim? É possível mudar?
Como vê, não são perguntas fáceis, e dá logo um nó
na cabeça só de pensar. No fim das contas, todo mundo tem um pouco a reclamar
sobre a política. Pensando bem, é comum ouvirmos falar da política como algo
“podre” e “desprezível”, que o parlamento mais parece um ninho de víboras
brigando por interesses mesquinhos. Algumas pessoas costumam dizer que
“tal político é bom, pois ele rouba, mas faz”! A que ponto pode-se chegar a
naturalização da corrupção? Mas se esses atos de corrupção e má administração
não escapam aos olhos dos eleitores, por que continuamos votando? Consequentemente, a corrupção aparece como o grande
problema da política brasileira. Mas será que a corrupção é o grande problema,
ou está sendo causado por algo ainda maior?
No fim de 2012 circulou nas redes sociais o trecho
da entrevista de um dos deputados mais bem votados do país (1,3 milhões de
votos), o palhaço Tiririca: “Eu não sei se pretendo continuar [na política],
por ser muito difícil lá dentro [da Câmara dos Deputados] [...] Eu pensei que
chegando à condição que eu cheguei, ia lá e ia aprovar projetos que iam
beneficiar a população e essas coisas todas, mas não é assim. Há outros
interesses”[1].
Se o Tiririca está sendo sincero ou não, nem vem ao
caso, mesmo porque ele se reelegeu em 2014. Mas o que será que ele quis dizer
com “há outros interesses”? Suas palavras podem ressoar fundo em nossas
consciências. O palhaço, enfim, percebeu que os problemas sociais não são uma
piada? Ou descobriu que o picadeiro político, na verdade, oculta o verdadeiro
sentido da existência do Estado? O que aparece como uma grande “tragédia da
corrupção” esconde a verdadeira face da política? Não será possível uma política
para o “bem comum”? É possível existir uma política ética?
Este pequeno texto não tem a menor intensão de
apresentar respostas prontas para tantas perguntas. Tentar fazer isso em tão
poucas linhas seria, no mínimo, ingênuo. É necessário refletir sobre cada um
destes problemas antes de comprar as repostas mastigadas que são vendidas por
aí nas propagandas eleitorais. Não nos deixemos enganar! É necessário
desconfiar das coisas, investiga-las, bem como refletir sobre elas.
Para começar, deixaremos mais uma pergunta no ar: se os políticos não estão no
congresso defendendo nossos interesses, como parece dizer Tiririca, quais são
os interesses que eles defendem?
2. Quais são os “outros interesses” da política?
Tem muita gente que já não
suporta mais tanta propaganda política. Realmente é uma coisa muito chata de
ver. Parece propaganda de um produto qualquer que está sendo vendido na
liquidação. É um verdadeiro massacre de poluição visual e sonora. Imagens e
números estão sendo liquidados. Anúncios simpáticos cheios de palavras bonitas,
frases de efeitos e fabulosas promessas de governo. E como a propaganda é a
alma do negócio, ganha o melhor anúncio, não o melhor produto. É uma verdadeira
mercantilização do processo eleitoral. Além do mais, se o “consumidor” não ficar
satisfeito, não dá pra devolver o produto. Impeachment é coisa rara por aqui. É tanta burocracia, que pra
tirar um político do poder não é brincadeira.
Se eleger também é uma coisa
difícil. Partidos fazem coligações para ganhar mais tempo na TV. Também é
preciso muito dinheiro para pagar uma boa propaganda que consiga se destacar em
meio a tantas outras. Isso é tão importante que é bem comum os partidos (quando
não fazem caixa dois) buscarem financiamento de suas campanhas na iniciativa
privada. Um exemplo escandaloso foi a doação de R$ 100 mil feita pela empresa
multinacional Gerdau para a campanha de Luciana Genro (Psol), que concorreu em
2008 à prefeitura de Porto Alegre[2].
Quanta generosidade da Gerdau
que, sem “nenhuma” segunda intenção, decidiu fazer a boa ação de ajudar uma
pobre candidata sem recursos próprios. Até parece... só mesmo com uma boa dose
de ingenuidade poderíamos acreditar que realmente não existe nenhum interesse
por traz dos financiamentos privados das propagandas eleitoras. Quando trazemos
a tona este caso, fica mais fácil responder a pergunta feita anteriormente, em
cima da observação feita por Tiririca sobre a existência de “outros interesses”
no congresso.
Sem muito esforço, dá pra perceber que o
processo eleitoral não é mesmo a busca pelo “bem comum”, a não ser que se
refira ao bem comum dos empresários e políticos. E nesse processo – onde se
evidencia a luta de classes na qual os políticos, sem exceção, se colocam do
lado do capital – as medidas socialdemocratas de cunho levemente keinesiano do
PT, que distribui alguns recursos entre trabalhadores e desempregados para
aumentar o consumo e encher os bolsos dos grandes empresários e banqueiros,
parece ser a salvação da lavoura. O “governo dos trabalhadores” do PT, na verdade
poderia se chamar de governo dos banqueiros e empresários.
Se refletirmos bem, é fácil perceber que
ações políticas buscam privilegiar muito mais interesses do grande capital. É o
que vemos com a reforma do código ambiental, com o leilão do campo de petróleo
de Libra (o famoso pré-sal) para empresas multinacionais, com a isenção de
impostos e concessão da propriedade pública para empresas privadas e com o
investimento em empresas terceirizadas para a construção das obras da copa. Até
mesmo nas construções de casas populares, as construtoras saem ganhando mais
que os próprios moradores, que enfrentam filas e burocracias para garantir o
benefício.
Quando nos perguntamos sobre os
interesses de alguém, devemos primeiro descobrir quem é essa pessoa. Se
quisermos saber quais são os interesses políticos de determinado grupo devemos
nos perguntar a quem ele quer beneficiar. É perfeitamente possível que existam
interesses na sociedade que sejam antagônicos, ou seja, contrários uns aos
outros. Aumento de salário, por exemplo, é interesse do trabalhador, não do
patrão, que sai perdendo com isso. Essa disputa de interesses no interior da
sociedade foi o que Marx chamou de “luta de classes”.
Cada pessoa cumpre um papel
específico dentro da sociedade, realizam diferentes funções sociais.
Consequentemente pertencem a uma classe particular de indivíduos. Se os seus
interesses dependem muito de quem você é, sua ação política também vai depender
muito da classe social a que você pertence. Claro que isso não é algo absoluto,
pois o desenvolvimento de sua consciência é um processo cheio de
particularidades, podendo haver exceções no que se refere aos interesses dos
indivíduos de uma classe social.
Dá pra notar que alguns
interesses são radicalmente inconciliáveis? Isso quer dizer que nem sempre é
possível favorecer um lado sem prejudicar o outro. Algumas coisas na vida são
assim. Se quisermos mesmo resolver este problema é preciso encarar a realidade.
Quer dizer que é possível resolver a coisa toda? Claro que sim! Por que
não? Nós construímos essa sociedade, então, nós podemos “consertá-la” ou
até mesmo “reconstruí-la”. Basta tomarmos consciência dos problemas e usarmos o
que temos em mãos para eliminá-los.
Perceba que não basta ter força
de vontade para mudar a sociedade. Infelizmente as coisas não parecem funcionar
assim. Não acha? É claro que é preciso ter vontade para fazer as coisas, mas
esta vontade não age sozinha, e ela mesma depende das condições sociais em que
nós nos encontramos. A própria incapacidade dos políticos em solucionar as
desigualdades sociais não se trata de uma simples “má vontade” da parte deles.
Mas então quer dizer que os políticos são inocentes dos crimes de corrupção?
Vamos com calma! Também não é assim. “O
buraco é [bem] mais embaixo”. Mas sobre isso falaremos adiante.
3. Os problemas sociais do Brasil são culpa da
incompetência dos políticos?
A corrupção, certamente, é uma
das características mais marcantes da política. Provavelmente temos a impressão
de que este é um problema especialmente dos políticos brasileiros, mas
infelizmente não é bem assim. Apenas temos essa impressão porque vivemos aqui.
Lógico que se nos limitarmos ao que podemos perceber em nosso cotidiano,
chegaremos a conclusões parecidas com essa. Mas não nos enganemos, o Brasil não
é um país “pobre” porque temos muitos corruptos no Estado. Esta não é a causa
do problema, mas apenas um de seus efeitos.
Será mesmo que o Estado poderia
estar comprometido com as necessidades de toda a população? Esse sistema só não
funciona mesmo por culpa dos políticos corruptos? Será algo tão simples assim?
Para começar, basta observarmos o cotidiano nas ruas das cidades para perceber
que o programa “fome zero” não passou de uma grande propaganda política, com
irrelevante validade do ponto de vista real. Imagine se todas as nossas
necessidades vitais (saúde, moradia, alimentação) fossem completamente
garantidas pelas instituições públicas. Certamente, dentro desta condição,
seria mais cômodo para o trabalhador recusar um emprego que não valesse a pena,
os patrões precisariam oferecer salários cada vez mais altos a fim de atraí-los
para suas empresas e isso certamente iria afetar bastante seus demasiados
lucros.
Neste sentido, a miséria e o
desemprego são muito úteis para o capital, uma vez que cumprem a função de rebaixar
os salários dos trabalhadores empregados ao mínimo possível. Não seria
interessante, do ponto de vista do capital, que o Estado garantisse a
sobrevivência de todos os trabalhadores, pois é justamente a necessidade de
sobrevivência que faz com que estes trabalhadores não vejam outra saída a não
ser vender sua força de trabalho, mas o Estado não pode deixar que se torne
visível este seu comprometimento com as necessidades do capital, pois isso
seria um grande perigo para a conservação da sociedade capitalista. Esta
contradição é velada quando tudo parece
ser apenas um problema da corrupção do Estado, e não que o Estado seja parte do
problema. A corrupção, neste caso, é somente a aparência deste problema, não a
sua essência.
Mais acima, concluímos com a ideia
de que a incapacidade do Estado em solucionar as desigualdades sociais não é
culpa da “má vontade” dos políticos. O governo, ao reprimir as greves dos
trabalhadores, ele não o faz simplesmente por ser um incômodo aos políticos,
não é simplesmente isso, apesar de serem escolhas, é necessário analisar as
condições em que estas escolhas foram feitas.
Os políticos tomam suas
decisões porque este é o seu papel dentro do Estado. É exatamente para isso que
serve esta instituição política, para impor as necessidades particulares de uma
classe social sobre as demais. Quando o Estado se comportou de maneira
diferente?
Quando os políticos tomam
medidas que prejudicam os trabalhadores, estão justamente cumprindo sua função
dentro da máquina estatal. Eles se percebem constrangidos a realizar este
papel, incorporando profundamente estas exigências como se fossem fruto de sua
própria vontade. Aqueles que não incorporam estas vontades não conseguem apoio
político para assumir um mandato, ou até mesmo se frustram com a política, como
parecia ser o caso do palhaço Tiririca. Assim, a vontade pessoal de um político
específico não vai ser atendida se não estiver de acordo com os interesses citados
acima.
Esta situação é perfeitamente
possível. Imaginem, por exemplo, que um trabalhador, quando decide procurar por
emprego, não faz isso simplesmente porque esta é a sua vontade, ele o faz
porque é constrangido a fazer, porque se não fizer, não encontrará outro meio
de sobreviver. O trabalhador busca por alguém que explore sua força de
trabalho, uma situação que só observamos de maneira generalizada no
capitalismo, ao contrário do escravo, que era forçado a trabalhar, o
assalariado caminha com suas próprias pernas para o local onde será explorado.
Do outro lado, um empresário
não pode tomar decisões que prejudiquem a sua condição social, ou ele correrá
sérios riscos de perder seu negócio, uma vez que está concorrendo com outros
empresários pelo mercado consumidor. Desta forma, ou ele explora seus
trabalhadores o máximo possível, ou corre riscos de entrar em falência. O
patrão não é a personificação do mal, isso não existe. Ele apenas está
realizando sua função enquanto classe que explora a força de trabalho alheia,
sendo, na verdade, uma personificação do capital. Ele só é burguês enquanto
colocar em movimento as forças sociais que reproduzem o capital.
Pode parecer confuso, mas esta
é a maneira como se comportam os indivíduos no capitalismo. Realizam suas
funções mesmo que não tomem consciência disso, mesmo que ajam de maneira alienada,
ou seja, sem reconhecer a essência de suas ações, mas percebendo somente a
aparência que elas tomam. Essas foram as observações de Marx, Mészáros e outros
pensadores que investigaram profundamente o sistema do capital. É claro que não
será possível aqui expor todos os detalhes desta relação, a intenção aqui é
somente chamar a atenção para a complexidade deste problema, pois se trata de
algo muito mais complicado do que imaginamos, é necessário muita paciência para
encontrar as respostas certas.
De maneira geral, a atividade
política dos indivíduos se baseia muito na classe social que eles representam.
Em nossa sociedade os interesses que prevalecem são os interesses do capital. A
grande questão é que o Estado não é capaz de contrariar estes interesses. Mesmo
que mude sua forma (mudando a maneira de se fazer política) sempre garante a
acumulação do capital. Quando isso não acontece, as classes dominantes reagem
de forma violenta. Abaixo traremos dois exemplos históricos para melhor
entender estas questões: o caso chileno e o caso russo.
4. O Estado pode controlar o capital?
A democracia tem origem na
palavra grega demokratía, que é
composta de demos (povo) mais kratos (poder). Esta palavra carrega o
sentido de que o poder é exercido pelo povo. Entretanto, na prática, é preciso
uma discussão mais profunda a respeito deste tipo de regime político. Até aqui
vimos que é uma grande “injustiça” culpar a corrupção isoladamente por todos os
problemas políticos brasileiros ou de qualquer outro país. Tudo indica que o problema
é muito mais sério que isso. O que estamos querendo mostrar é que tudo depende
da maneira como nossa sociedade está organizada. Neste sentido, o nome desta
sociedade (capitalista) já dá uma boa dica de quais interesses predominam na
cena política. Este foi o tema central do ponto “Quais são os ‘outros
interesses’ da política?” mostrando, inclusive, que alguns desses interesses
são antagônicos. Nem sempre é possível agradar gregos e troianos.
O ponto anterior teve como
objetivo chamar atenção para a função social do Estado, ou seja, qual o seu
papel em nossa sociedade. Bem, tudo leva a crer que o Estado não existe para
solucionar as desigualdades sociais, mas, ao contrário, serve para
reproduzi-las. O Estado não serve para controlar o capital, independente da
forma que tome. Isso não depende da simples vontade dos parlamentares, não se
trata apenas de querer fazer uma política diferente. Os “outros interesses” por
traz do Estado são os interesses do próprio capital, é isso que está em jogo
para os políticos. São as necessidades do capital que prevalecem na política
atual. Mesmo quando os políticos agem contra os interesses do capital, logo são
forçados a abandonar suas funções.
Tudo bem, agora chega de
abstração e vejamos alguns exemplos. No Chile, o governo de Salvador Allende,
que tentou realizar uma drástica reforma agrária e a nacionalização das
indústrias, provocou uma reação violenta das classes dominantes chilenas.
Estas, com o apoio dos Estados Unidos da América, arquitetaram um golpe
militar, que chegou ao extremo de levar o país a uma das ditaduras mais
violentas da América Latina, a de Pinochet.
Basta fazer uma pequena
pesquisa para confirmar este caso. Quando o Estado chileno tentou tomar o
controle do capital, logo encontrou a violenta resistência de suas personificações
(sobretudo as classes da burguesia industrial e latifundiária). A forma de
governo ditatorial do Pinochet, por sua vez, apenas mudou a maneira de se fazer
política da sociedade chilena, sem alterar sua estrutura econômica, além de
preparar o terreno para as mais intensas reformas neoliberais do continente.
Estes fatos revelam que o Estado serve como ferramenta utilizada pelo capital
para perpetuar o seu regime.
Quer dizer que se o Estado
chileno tivesse concluído a nacionalização das indústrias e a reforma agrária,
ele teria mesmo controlado o capital? Bem, tudo indica que não é bem por aí.
Podemos observar, por exemplo, os resultados da revolução russa de 1917. A
princípio surgiram inúmeros conselhos operários (soviets) assumindo a direção de diversas fábricas por toda Rússia.
Aos poucos o Estado, sob a direção do partido bolchevique, tomou novamente o
comando político da sociedade, além de se transformar no grande gestor da
economia.
Ainda assim, a revolução não se
generalizou nas relações sociais de produção, ou seja, a maneira como os
indivíduos produzem as riquezas da sociedade continuou inalterada. Assim, como
as bases do antigo sistema não sofreram modificações, o capital não foi
destruído na antiga União Soviética, conforme István Mészáros afirma em seus
estudos. Os trabalhadores continuaram sendo explorados, pois permaneceram sem a
posse do excedente produtivo. Entretanto, este excedente, ao invés de ser
apropriado diretamente por capitalistas particulares, era apropriado pelo
Estado. Desta forma, o que existiu na União Soviética não foi o comunismo, no
sentido de uma sociedade sem classes sociais, mas uma sociedade onde a
propriedade dos meios de produção foi transferida para o Estado.
Podemos ver que as
desigualdades sociais não serão eliminadas com uma simples mudança da direção
política do Estado. Não quer dizer que estas mudanças na política não reflitam
na estrutura econômica da sociedade. Caso contrário, tais mudanças não fariam o
menor sentido. Entretanto, elas não passam de “ajustes” que buscam contornar as
barreiras que impedem a acumulação do capital. Neste sentido, ajustes na
direção política do Estado podem até proporcionar uma maior eficiência da
sociedade capitalista, impulsionando um crescimento econômico do país. Mas não
podemos esquecer que este crescimento se reflete de maneiras diferentes na vida
de cada um, atingindo cada classe social de uma forma específica e extremamente
desigual.
Quando observamos o crescimento
da economia brasileira, por exemplo, este crescimento se acumula nas mãos de
poucas famílias. Quando o governo faz sua propaganda política, é muito
conveniente ignorar que nem todo mundo se beneficia do vangloriado crescimento
econômico. Quem acumula a maior parte da produção de riquezas do país são os
capitalistas. Tanto o partido dos trabalhadores, quanto qualquer outro partido
que esteja no poder, governa, na verdade, para o capital. Não importa qual seja
o regime político. Seja ele extremamente autoritário como os fascistas (a
Alemanha de Hitler), seja ele uma ditadura militar como os anos de chumbo no
Brasil, ou até mesmo um regime como a nossa atual democracia representativa, o
Estado moderno é sempre o Estado do capital. Além do mais, por mais vantajosas
que sejam as liberdades democráticas para os trabalhadores, elas são mais
vantajosas ainda para o capital. Como isso é possível? Bem, estas serão as
cenas do próximo ponto.
5. A democracia na política e a ditadura na
economia
Primeiramente é preciso
relembrar algumas ideias apresentadas acima. Vimos que os indivíduos que fazem
parte da sociedade possuem interesses distintos, sobretudo no que diz respeito
às lutas econômicas como, por exemplo, as lutas por melhores salários. Muito
bem, por que isso acontece?
Cada indivíduo que vive na
sociedade cumpre uma função diferente
dentro dela, por isso faz parte de uma classe social específica – o que não
muda o fato de o indivíduo ter a possibilidade de se vincular ideologicamente a
outra classe. Alguns destes indivíduos são responsáveis pela transformação da
natureza nos bens necessários para a sobrevivência da sociedade, enquanto seres
vivos. Transformam, por exemplo, algodão em tecido, e este, por sua vez, numa
roupa. Sem esta transformação da natureza nos bens necessários para nossa
existência não seria possível a vida em sociedade. Entretanto, nas sociedades
de classes, o fruto deste trabalho não fica nas mãos dos produtores, mas é
apropriado por uma classe dominante. Neste sentido, as duas grandes classes
antagônicas do capitalismo são a burguesia e os operários (industriais ou
rurais). Os operários são os indivíduos que transformam a natureza em riquezas,
que são diretamente apropriadas pelos burgueses, as demais classes também ficam
com uma parcela da riqueza produzida pelos operários, por mais que também sejam
exploradas de alguma forma.
O trabalhador não é totalmente
livre ao ponto de escolher onde e como trabalhar. Graças a uma série de
processos históricos, que não será possível discutir aqui, os trabalhadores
foram separados da terra onde produziam seu sustento, de maneira que já não
possuem outra forma de sobrevivência a não ser vender sua força de trabalho em
troca de um salário. Neste sentido, o trabalhador é constrangido a procurar por
um patrão que o explore. Afinal, pior do que ser explorado é não ter ninguém
para lhe explorar. Logo, a liberdade que o trabalhador possui no
capitalismo é bastante limitada.
O limite da liberdade entre os
indivíduos é um reflexo das suas condições de vida, afinal nem todas as pessoas
são iguais. O direito afirma que todos os indivíduos são iguais perante a lei,
mas não são iguais do ponto de vista material. Enquanto uns vivem bem, outros
vivem mal. Como o direito iguala todos os indivíduos do ponto de vista
político, cria-se a impressão de que todas as pessoas são igualmente livres nos
outros aspectos de suas vidas. Neste sentido, a democracia cria uma falsa
impressão de que toda a população é responsável pela direção política do país,
uma vez que elegem seus representantes legais para participar da gestão do
Estado.
Enquanto vivemos em uma democracia
política, no dia-a-dia de nossos trabalhos vivemos uma verdadeira ditadura. Não
possuímos o menor poder de decisão dentro das empresas em que trabalhamos. Os
proprietários e seus gestores simplesmente decidem tudo de cima pra baixo.
Decidem o que produzir, quando produzir e de que forma produzir. Os
trabalhadores simplesmente cumprem estas ordens.
A própria
ideia de democracia precisa ser relativizada e questionada. Apesar da invenção
deste modelo político ser atribuída aos gregos, a democracia ateniense, por
exemplo, era bem diferente da qual estamos acostumados hoje. Além de ser
fundada em uma base social escravista, que também excluía as mulheres e
estrangeiros, o sistema político em Atenas não era representativo, ou seja, os
cidadãos não escolhiam representantes com mandados deliberativos, as decisões
políticas eram tomadas pelos próprios cidadãos em assembleias, e os cargos
públicos eram escolhidos por sorteio, de tal modo que os escolhidos apenas
executavam as decisões das assembleias.
A ideia de
representatividade também é questionada pelo pensador iluminista Jean-Jacques
Rousseau
Os
representantes do povo não são, nem podem ser, seus representantes; não passam
de seus comissários, nada podendo concluir definitivamente. É nula toda a lei
que o povo não ratificar diretamente; em absoluto, não é lei. O povo inglês
pensa ser livre e muito se engana, pois só o é durante a eleição dos membros do
Parlamento; uma vez eleitos, ele é escravo, não é nada. Durante os breves
momentos de sua liberdade, o uso que dela faz mostra que merece perdê-la[3].
Segundo o
pensamento de Rousseau, a representatividade política que adotamos hoje como
modelo máximo de democracia não é sequer uma forma de liberdade política. Os
representantes se elegem pelo voto popular, mas tomam decisões a revelia dos
seus eleitores. Isso significa que ele possui um mandado deliberativo, podendo
fazer escolhas apenas segundo a sua vontade e de seu partido. Não existe
vontade popular nas decisões do senado brasileiro, apenas decisões que são
tomadas por aqueles que se saíram melhor no milionário jogo eleitoral.
Como este
modelo de representatividade foi incorporado por nossa tradição política, ele é
reproduzido pelos próprios trabalhadores quando estes se organizam em
sindicatos, elegendo direções que possuem mandados deliberativos. Porém, estas
direções restritas se tornam alvos frágeis ou fáceis para os governos e patrões
que buscam cooptá-las, fazendo acordos dentro de gabinetes que geralmente
acabam em manobras para desmobilizar os trabalhadores.
Criticar a
democracia representativa também não basta. Uma “democracia direta” por si só
não é uma solução para as classes trabalhadoras, como podemos observar na
democracia ateniense, que apesar de ser direta, excluía mulheres, estrangeiros e
escravos e não resolveu o problema da desigualdade social. Pois, é inútil para a
classe trabalhadora pensar em novas formas de organização política sem antes
pensar no caminho necessário para tomar o controle das riquezas que produzem
coletivamente com o seu trabalho, mas que são apropriadas de maneira privada
pelos seus patrões. Contudo, esta realidade já está tão enraizada em nossa
sociedade que até parece natural que as coisas sejam desse jeito. “É assim e
ponto final”.
Na sociedade
capitalista, falar no fim da propriedade privada é um sacrilégio muito maior
que todos os pecados cristãos juntos. É simplesmente inaceitável. Para o dono
da empresa, é inconcebível pensar em dividir o controle da produção entre os
seus trabalhadores. Mas será mesmo que as coisas têm que ser assim? Bem,
certamente elas nem sempre foram desta forma. Foram necessários muitos séculos
para que os capitalistas conseguissem conquistar este poder.
Seguindo este raciocínio, o
verdadeiro poder da sociedade não está na escolha de seus representantes legais
no Estado, mas no controle das riquezas socialmente produzidas. Quando a
democracia cria esta aparência de liberdade, está apenas reproduzindo uma
realidade alienada, que não revela sua verdadeira natureza. A intensificação
das alienações apenas facilita o controle da vida social pelo capital, uma vez
que oculta dos indivíduos a verdadeira origem das desigualdades sociais e a
maneira de resolvê-las.
Votar em um candidato diferente
nas eleições não mudará em nada a raiz dos nossos problemas. Não é desse poder
de decisão que nós precisamos. Vamos pensar um pouco a respeito. Claro que não
se trata de problemas fáceis de resolver, e cada um precisa se convencer da
coisa certa a fazer. Precisamos perceber que enquanto realizamos a democracia nas
urnas, vivemos sob uma verdadeira ditadura no trabalho. Não decidimos nada em
nossos empregos.
Chegando ao fim das reflexões
que fizemos sobre a nossa democracia, como pensar numa resposta para a pergunta
colocada no título deste artigo? Por que votar nas eleições?
Sinceramente, você também
compartilha de um sentimento de desesperança quando percebe que o simples ato
de votar não faz muito sentido? A falta de perspectiva na política lhe causa
uma sensação de que tudo está perdido? O que realmente nos impede de mudar? Pense
no que poderia ser feito se as decisões tomadas em nosso trabalho fossem
coletivas? Todos poderiam se satisfazer, uma vez que a sociedade já produz em
abundância (as crises de superprodução estão aí para comprovar isso).
Poderíamos votar no que produzir, em quanto tempo produzir, como produzir e, o
mais importante, o que fazer com esta produção. Fala a verdade, este voto sim
valeria a pena.
6. Qual alternativa possível?
De dois em dois anos, o país
suporta o frenesi das campanhas eleitorais. Com o cinismo de costume, os
candidatos e seus coligados aproveitam a situação para por em primeiro plano a
necessidade de se investir em saúde, educação e outros serviços básicos, como
se tivesse sido habitual em todos os mandatos anteriores, seja do partido de
oposição ou da situação. Por acaso você já se perguntou o porquê de ano após
ano, mandato após mandato, a situação nunca mudar significativamente para os
trabalhadores? As contradições da sociedade são um mero problema de gestão? Ou
são elas inerente ao próprio sistema? Por que motivo nenhum governo, em nenhum
lugar do Brasil e do mundo, ao longo de tantos anos, foi capaz de resolver tais
problemas sociais tão conhecidos por todos, como o desemprego, analfabetismo,
fome e qualidade em serviços como educação, saúde, transporte? Por um acaso
existe algum partido capaz de resolver tais conflitos?
Durante as campanhas
eleitorais, existe sempre a preocupação, por parte do conjunto das forças ditas
democráticas, dos partidos de “direita” ou de “esquerda”, de fazer com que o
máximo de eleitores vá às urnas para cumprir seu dever de cidadão. Essa
propaganda política possui grande importância para o Estado democrático da
burguesia, já que existe um ceticismo crescente, que permeia no seio da
população, quanto à utilidade das eleições, visto nas mobilizações de junho (2013),
contra o aumento da passagem de ônibus e outras pautas, e também nas
mobilizações contra a corrupção na copa das confederações (2013) e na copa do
mundo (2014).
Todos os candidatos professam
um discurso puramente falacioso. O grupo que governa fala os investimentos
feitos para melhorar o país (geralmente usando exemplos que são exceções, ou
que não são tão verdadeiros assim). Os que compõem a oposição, por sua vez,
falam da corrupção dos atuais mandachuvas (o que não deixa de ser verdade, mas
nunca sendo uma exclusividade apenas destes) e que estão prontos para assumir a
administração para lutar por um país melhor. A história vem demonstrando que a
corrupção é algo inerente ao Estado, qualquer um que se integrar a ele tem que
se adaptar a isso. Os políticos estão sempre envolvidos em algum caso de
corrupção e/ou de desleixos de administração.
Mesmo assim, não aparece no
discurso de nenhum candidato que estarão integrados lado a lado com a ditadura
de classe da burguesia. Ao sinal de qualquer luta autônoma de trabalhadores contra
as ofensivas às suas condições de vida, o Estado estará de prontidão para
defender a ordem e a lei com a autoridade e repressão que for preciso, e com
isso estarão cumprindo nada mais que seu papel.
A precarização atual da
sociedade ocorre em meio à intensificação brutal da crise capitalista, estando
intimamente relacionada a ela. Encurralados pela crise, os Estados implementam
cortes sistemáticos nos setores públicos: diminuem os salários dos
trabalhadores; aumentam o número de contratados temporários (REDAs); estendem a
jornada de trabalho, tornando mais duras as condições de trabalho; deixam no
maior abandono as instalações educacionais, de saúde ou de qualquer outro
serviço que atenda o público de massa, abrindo espaço para o estabelecimento de
empresas privadas.
O que nos
espera não é esse futuro privilegiado que anunciam as autoridades, mas sim o
pesadelo do desemprego e da precariedade. Essa é a lógica destrutiva do
capital.
O
capitalismo não tem a menor perspectiva a oferecer algo para a humanidade, a
não ser guerras cada vez mais bestiais (como o extermínio realizado por Israel
contra os palestinos na Faixa de Gaza), catástrofes ambientais mais trágicas,
além do aumento da miséria e da barbárie para a grande maioria da população
mundial.
Ainda assim, muita
gente continua a concordar com a participação no jogo político como forma de
utilizar os espaços das propagandas como meio de transformar a realidade. Como
os defensores dessa estratégia não são “farinha do mesmo saco”, nós apresentaremos
adiante três visões mais difundidas em nossa sociedade.
A defesa conservadora
Muito embora nenhum partido político tenha
coragem de dizer que o mundo em que vivemos é um mundo ideal, a maioria deles
defende que devemos encarar a vida como ela é e aceitar que não existe um
modelo de sociedade melhor do que a capitalista. Geralmente se baseiam no
argumento central de que os seres humanos são naturalmente egoístas, e que a
competição no mercado sempre será a alavanca que impulsiona o desenvolvimento
econômico. Logo, a defesa conservadora assume uma postura extremamente
determinista, ou seja, a competição econômica sempre determinará a maneira como
as pessoas constroem a sociedade em que vivem. Consequentemente, se não podemos
superar o capitalismo, nossa única opção é aperfeiçoa-lo.
O grande slogan do grupo conservador foi
claramente expressado na famosa frase tantas vezes repetida pela ex-primeira
ministra britânica Margaret Thatcher, “there
is not alternative” (não há alternativa). Na prática, a mensagem que
Thatcher estava passando é que não existe nenhuma opção melhor para a
competitividade do mercado capitalista. Esta posição ficou conhecida como
“princípio TINA” (abreviação da frase em inglês).
Esta opinião é tão forte que nos estatutos e
cartas de princípios de partidos políticos como DEM, PMDB e PSDB – apenas para
ficar com exemplos mais conhecidos – sequer considera a possibilidade de uma
sociedade diferente da capitalista. O máximo a que estes partidos podem chegar
em suas propostas é uma defesa vazia do trabalhador diante dos exageros do
capital, mas sequer dizem como protegê-los da exploração sem prejudicar os
lucros ou sem profanar a propriedade privada da burguesia.
Apesar dos partidos citados não se
considerarem necessariamente conservadores, não julgam necessário questionar a
viabilidade de uma mudança radical na sociedade em que vivemos, logo buscam conserva-la. Estes partidos preferem
pensar na política por si só, sem questionar as bases econômicas sobre as quais
cada governo é constituído. Consideram as relações capitalistas como naturais e
o governo democrático como o mais civilizado. Logo, defendem a participação
política nas eleições que escolhem os representantes do povo como o melhor meio
de aperfeiçoar a sociedade capitalista.
A defesa reformista
O discurso reformista é aparentemente mais
radical do que aquele analisado anteriormente. Não assumem o slogan de que “não há alternativa”, e
alguns grupos chegam a defender abertamente a superação do capitalismo e a
construção de uma sociedade socialista. Entretanto, o caminho para isso seria
percorrido no interior das próprias instituições políticas democráticas que
possuímos hoje, ou seja, acreditam que a luta pelo socialismo deve ser
necessariamente encaminhada para o interior do Estado, participando dos
processos de decisão dentro do parlamento. A estratégia é basicamente reformar o capitalismo por dentro até
que ele deixe ser o que é.
Também defendem o direcionado da luta dos
trabalhadores para dentro dos limites dos sindicatos, que exercem um forte
controle sobre as assembleias e tendem a encaminhar todas as greves para
negociações a portas fechadas com o Estado e com os patrões. Os próprios
sindicados, assim como os governos, se baseiam no regime democrático
representativo, onde o eleitor abre mão de sua participação direta e escolhe o
representante para defender seus interesses em ambientes restritos e
controlados por aqueles que os exploram.
De um lado PT, PCdoB e Consulta
Popular e, de outro, o PSOL, são exemplos típicos de organizações políticas
reformistas. Todos eles enxergam na reforma das instituições democráticas do
Estado brasileiro o melhor caminho para favorecer as “classes populares”, ainda
que os discursos individualizados assumam particularidades que parecem mesmo os
colocar em campos distintos.
A defesa pseudo-revolucionária
Existem ainda aqueles que participam do
processo eleitoral com uma justificativa tática, não de conquistar o poder do
Estado por vias democráticas, mas de ocupar o espaço das propagandas eleitorais
no rádio e na TV, para propagandear uma ideologia revolucionária e denunciar os
problemas do sistema capitalista (PSTU, PCB, PCO). Não acreditam que a
democracia representativa é o caminho para a tomada do poder político pelos
trabalhadores, mas que apenas um processo revolucionário será capaz de tirar os
burgueses e latifundiários do poder. Além deste ser um discurso falacioso, tais
partidos nutrem em seu âmago o desejo de uma vitória, para assumirem e, como o
PSTU, dizer que a remuneração paga a seu político é todo direcionado às ações
do partido.
O que fazer?
O passo
inicial para uma mudança é duvidar das verdades que crescemos ouvindo. Mas é
apenas o começo. A discussão e a busca por conhecimento, seja por livros e
jornais, debates ou conversas informais, mobilizações e até mesmo na internet,
também é de fundamental importância. Sem perder de vista o primeiro passo, de
também duvidar desses meios. Do contrário, é impossível compreender a realidade
e assimilar de maneira coerente a situação.
A via
eleitoral encontrada por todos esses partidos citados e tantos outros
modificará muito pouco a vida social, menor ainda serão os benefícios
destinados às classes populares. Vivemos numa época de crise geral desde a
década de 1970. Uma crise que alcança todos os setores de produção em todos os
países do mundo. A economia capitalista não conseguiu mais alavancar um
crescimento considerável desde então. Diante dela, não podemos nos fechar em
visões conservadoras, reformistas ou pseudo-revolucionárias, muito menos em
visões corporativistas e nacionalistas. Estes métodos certamente leva a luta
dos trabalhadores ao fracasso e à impotência, fazem da mobilização algo estéril
e desmoralizante. As mobilizações sindicais são a ilustração disso, eles
motivam os trabalhadores a entrarem em greve e depois fazem acordos com o
Estado e patrões que nunca trazem vitórias significativas. Dessa forma, os
trabalhadores se cansam de lutar, achando que nada que façam valerá a pena.
É necessário
evidenciar que qualquer candidato, seja do atual governo ou da oposição, que se
utilize de qualquer discurso oportunista, são representantes fiéis do regime
capitalista. Mesmo que se enfrentem furiosamente, não fazem nada mais que
decidir qual a fração mais favorecida com a exploração dos trabalhadores. São
todos agentes do capitalismo, controlados pela necessidade que o capital tem de
se expandir. Mas graças à tradição e ao hábito, a maior parte da população não
se nega a participar do circo eleitoral, por mais tosco que este seja, pois a
mistificação eleitoral está estreitamente ligada com a ideia de democracia representativa
que temos hoje. Toda a vida social no capitalismo está organizada pela
burguesia em torno do Estado, seja ele “democrático” ou déspota.
Infelizmente,
os trabalhadores nunca conquistaram nada significativo e permanente lutando
pelas vias democráticas do Estado, e notar que isso é apenas uma ilusão é um
avanço significativo. A verdadeira força da classe trabalhadora não está nas
urnas, mas nas ruas. É possível que uma das maiores lições das jornadas de
Junho em 2013 e da greve dos garis do Rio de Janeiro em 2014 foi ter tornado
claro que a luta direta pode trazer algumas conquistas. Por outro lado, também
ficou claro que a força das massas se esvai quando estas não possuem objetivos
claros e uma organização eficiente. Logo, é preciso que os trabalhadores tomem
consciência do que precisa ser feito, de que a solução dos seus problemas
sociais não está em uma mudança superficial das relações políticas, mas das
relações de produção. Os operários precisam tomar o controle de toda a riqueza
que produzem com o seu trabalho.
Para
alcançar seus objetivos os trabalhadores devem se auto organizar por fora do
Estado, pois este não possui a capacidade de solucionar os problemas sociais a
que se propõe. A auto organização dos trabalhadores, por sua vez, deve superar
os próprios limites da democracia e, necessariamente, da sociedade capitalista
na qual são explorados. Durante os momentos de luta, é necessário fazer
assembleias gerais nas quais todos possam se expressar, onde os trabalhadores
tomem as decisões em conjunto, e não através de representantes,
independentemente da forma que chegaram àquela posição. As ordens não devem vir
de cima, e sim discutidas e propostas por todos os trabalhadores que estiverem
envolvidos diretamente com as organizações de classe, como um conselho operário. Aqueles que irão
realizar as deliberações apenas o farão como discutido nas assembleias, sendo
que essas funções sejam apenas para realizar esse objetivo, e podem ser
revogados a qualquer momento que a assembleia achar necessário. Essa
horizontalidade deve ser buscada nesses conselhos, para evitar qualquer tipo de
representação absoluta por qualquer indivíduo. Não devemos nos deixar dividir
por categorias, território, origem social. Todos juntos devem discutir, decidir
e organizar as ações.
A história está repleta de experiência
significativas de como os trabalhadores são capazes de criar formas de
organização política participativa e horizontal. Recentemente, um militante de
um movimento social em Guiné Bissau relatou uma experiência interessante sobre
como os trabalhadores estavam se organizando em sua luta por luz e água:
Essa forma de se
organizar é recente na Guiné-Bissau. Decidimos nos organizar assim, de [forma
horizontal], porque essa “cultura de representação” que temos há muitos anos
não consegue cativar toda a massa. Por exemplo, quando íamos às comunidades para
trabalhar, só conseguíamos falar com o presidente ou secretário da [associação]
local. Toda a comunidade ficava de fora. Então resolvemos nos organizar assim
para trabalhar com o povo, permitindo a participação de todo mundo nesse
processo. É verdade também que as pessoas [na comunidade] acham um pouco
estranha essa forma de se organizar. Estão habituados à “representação” e por
isso somos questionados como podemos funcionar sem presidente. Mas já estamos a
trabalhar há quase um ano sem presidente e nunca houve qualquer problema.
Porque muitas vezes um presidente decide uma coisa que não é vontade da
maioria. E nós nunca fazemos isso. Todos são incluídos para que seja tomada uma
decisão certa.” – Ailton J[4].
Mas essa não
foi a única experiência, em 1871, em Paris, um conselho operário tomou posse da
gestão da cidade por quarenta dias, movimento que ficou conhecido como a Comuna de Paris. Os trabalhadores se
autogestionaram nesse período, logo após a França ter perdido a guerra contra a
Prússia e ter enfraquecido. Apesar de ter ficado em vigor tão pouco tempo, a
Comuna já tinha promovido diversas mudanças que melhoraram significativamente a
condição de vida das pessoas. Tamanho era o sucesso da investida operária, que
os governos da França e da Prússia, a pouco mais de um mês inimigos de guerra,
se juntaram para dizimar os trabalhadores da Comuna.
Em 1917, os
trabalhadores chegaram ao poder na Rússia por meio da revolução soviética. Decerto
esse movimento foi fortemente influenciado por ideais internacionalistas e
contra a propriedade privada, em prol dos trabalhadores. Por um tempo, as
decisões políticas e econômicas foram repassadas para os sovietes – conselhos formados por operários, camponeses e militares.
A intensão dos sovietes era tomar o Estado e enfraquecê-lo aos poucos, para que
ele se tornasse desnecessário. Porém, essa tática fracassou e em muito pouco
tempo houve uma institucionalização do poder e da propriedade, que foi
transferida para o Estado, tornando-o mais forte e perdendo de vista todos os
princípios que antes existiam naquele movimento. O resultado disso foi a União
Soviética que conhecemos hoje.
Experiências
como essas são indícios da capacidade dos trabalhadores se auto organizarem de
maneira horizontal, não representativa e por fora do Estado, porém trata-se de casos
limitados. Nenhum desses exemplos são citados aqui para serem copiados como
modelos perfeitos, mas para percebermos a verdadeira força que os trabalhadores
possuem em suas mãos. Quando as decisões sobre a produção da vida, das coisas
que nos permitem viver em sociedade, estão nas mãos dos trabalhadores, nenhuma
outra classe pode sequer pensar em meios para dominá-la. Devemos almejar a
construção de uma sociedade nunca vista antes, algo que possamos construir
através dos princípios de solidariedade entre os trabalhadores de todo o mundo.
Já que as eleições
não nos trazem nenhum horizonte, o que pode nos fortalecer é um método que
amplie e estenda nossas lutas, numa união organizada e autônoma de nossas
mobilizações. Não podemos enxergar apenas os nossos problemas cotidianos de
forma isolada, devemos alimentar a formação de uma solidariedade entre a classe
trabalhadora, para que possamos tocar a raiz dos problemas da imensa maioria
das pessoas. Somente desta forma mudaremos o curso da humanidade, que já se
encontra sem perspectivas diante do mundo do capital.
A
liberdade plena se encontra, como nunca antes na história, bem diante de nós,
porém, é necessário um grande salto para poder alcançá-la!
LABUTA, Vitória da Conquista, Outubro
de 2014.
[1] http://www.folhape.com.br/cms/opencms/folhape/pt/politica/noticias/arquivos/2011/outubro/2492.html
[2] http://noticias.terra.com.br/eleicoes/2008/interna/0,,OI3146373-EI11868,00-Doacao+da+Gerdau+ao+
Psol+abre+debate+ideologico+na+esquerda.html.
[3] ROUSSEAU apud MÉSZÁROS,
István. Para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2002.