domingo, 12 de outubro de 2014

POR QUE VOTAR NAS ELEIÇÕES?


1.      É possível acreditar na política?
Quando se inicia o processo eleitoral, a nossa tão aclamada democracia entra em êxtase. Em pouco tempo surgem cavaletes e banners por toda parte, santinhos espalhados pelas ruas, propaganda eleitoral gratuita, pinturas em muros e também aqueles jingles martelando nossas cabeças, o que nos faz ouvi-los até na hora de dormir. Este imenso ritual moderno, após poucos meses de louvor, finalmente culmina na comunhão das urnas. Uma vez chegado ao fim, retornamos ao cotidiano de nossas vidas, tudo voltar ao “normal” até que se passem dois anos para enfim sermos, mais uma vez, convocados a este imenso culto democrático.
Somos convocados a participar do processo eleitoral, motivados tanto pelos políticos (diretamente interessados em nossa participação no pleito, afinal precisam de nossos votos para se eleger) quanto pela mídia em geral (que nos bombardeia diariamente falando sobre a necessidade do envolvimento da sociedade neste processo). Mas, poderíamos dizer também que nossa participação, ou pelo menos da maioria, é motivada pela esperança de que a permanência ou a mudança na composição política partidária implique em mudanças significativas para nossas vidas.
Em verdade, somos todos inseridos neste processo eleitoral de forma tão sutil, que temos a impressão de que tudo é muito natural. É comum reproduzirmos as exigências da nossa sociedade sem questionar o real sentido das coisas, afinal, muitas delas acontecem desde muito antes de nós nascermos. Até que certo dia, paramos e pesamos: “porque as coisas são assim?”. Na maior parte das vezes não encontramos uma resposta imediata, até porque não são questões simples de responder. Precisamos, inclusive, ter certo “desconfiômetro” para respostas fáceis demais, elas podem ser muito superficiais, ou até cheias de interesses ocultos. Afinal, tem muita gente buscando respostas para os seus próprios problemas, inevitavelmente aparece alguém querendo nos dar as respostas. Este é o retrato das propagandas eleitorais: respostas simples para problemas difíceis.
Infelizmente, nem todos os problemas podem ser tão facilmente resolvidos como propõem os candidatos. Uma forma de perceber isso é refletir sobre o que realmente mudou desde que certo candidato foi eleito. Certamente muita água passou por debaixo da ponte, e até pode ser que a vida de alguém melhorou de uns anos pra cá, mas será que isso vale para a grande maioria das pessoas? Será que todas as classes sociais se beneficiam igualmente do tão idolatrado crescimento econômico brasileiro? Essas mudanças são “grande coisa” para a maior parte dos trabalhadores? A vida está fácil para você? O tempo está cada vez mais corrido, a ponto de desejar que o dia tivesse mais que 24 horas? Pois é, por que isso tem que ser assim? É possível mudar?
Como vê, não são perguntas fáceis, e dá logo um nó na cabeça só de pensar. No fim das contas, todo mundo tem um pouco a reclamar sobre a política. Pensando bem, é comum ouvirmos falar da política como algo “podre” e “desprezível”, que o parlamento mais parece um ninho de víboras brigando por interesses mesquinhos. Algumas pessoas costumam dizer que “tal político é bom, pois ele rouba, mas faz”! A que ponto pode-se chegar a naturalização da corrupção? Mas se esses atos de corrupção e má administração não escapam aos olhos dos eleitores, por que continuamos votando? Consequentemente, a corrupção aparece como o grande problema da política brasileira. Mas será que a corrupção é o grande problema, ou está sendo causado por algo ainda maior? 
No fim de 2012 circulou nas redes sociais o trecho da entrevista de um dos deputados mais bem votados do país (1,3 milhões de votos), o palhaço Tiririca: “Eu não sei se pretendo continuar [na política], por ser muito difícil lá dentro [da Câmara dos Deputados] [...] Eu pensei que chegando à condição que eu cheguei, ia lá e ia aprovar projetos que iam beneficiar a população e essas coisas todas, mas não é assim. Há outros interesses”[1]
Se o Tiririca está sendo sincero ou não, nem vem ao caso, mesmo porque ele se reelegeu em 2014. Mas o que será que ele quis dizer com “há outros interesses”? Suas palavras podem ressoar fundo em nossas consciências. O palhaço, enfim, percebeu que os problemas sociais não são uma piada? Ou descobriu que o picadeiro político, na verdade, oculta o verdadeiro sentido da existência do Estado? O que aparece como uma grande “tragédia da corrupção” esconde a verdadeira face da política? Não será possível uma política para o “bem comum”? É possível existir uma política ética?
Este pequeno texto não tem a menor intensão de apresentar respostas prontas para tantas perguntas. Tentar fazer isso em tão poucas linhas seria, no mínimo, ingênuo. É necessário refletir sobre cada um destes problemas antes de comprar as repostas mastigadas que são vendidas por aí nas propagandas eleitorais. Não nos deixemos enganar! É necessário desconfiar das coisas, investiga-las, bem como refletir sobre elas.
Para começar, deixaremos mais uma pergunta no ar: se os políticos não estão no congresso defendendo nossos interesses, como parece dizer Tiririca, quais são os interesses que eles defendem?


2.      Quais são os “outros interesses” da política?
Tem muita gente que já não suporta mais tanta propaganda política. Realmente é uma coisa muito chata de ver. Parece propaganda de um produto qualquer que está sendo vendido na liquidação. É um verdadeiro massacre de poluição visual e sonora. Imagens e números estão sendo liquidados. Anúncios simpáticos cheios de palavras bonitas, frases de efeitos e fabulosas promessas de governo. E como a propaganda é a alma do negócio, ganha o melhor anúncio, não o melhor produto. É uma verdadeira mercantilização do processo eleitoral. Além do mais, se o “consumidor” não ficar satisfeito, não dá pra devolver o produto. Impeachment é coisa rara por aqui. É tanta burocracia, que pra tirar um político do poder não é brincadeira.
Se eleger também é uma coisa difícil. Partidos fazem coligações para ganhar mais tempo na TV. Também é preciso muito dinheiro para pagar uma boa propaganda que consiga se destacar em meio a tantas outras. Isso é tão importante que é bem comum os partidos (quando não fazem caixa dois) buscarem financiamento de suas campanhas na iniciativa privada. Um exemplo escandaloso foi a doação de R$ 100 mil feita pela empresa multinacional Gerdau para a campanha de Luciana Genro (Psol), que concorreu em 2008 à prefeitura de Porto Alegre[2].
Quanta generosidade da Gerdau que, sem “nenhuma” segunda intenção, decidiu fazer a boa ação de ajudar uma pobre candidata sem recursos próprios. Até parece... só mesmo com uma boa dose de ingenuidade poderíamos acreditar que realmente não existe nenhum interesse por traz dos financiamentos privados das propagandas eleitoras. Quando trazemos a tona este caso, fica mais fácil responder a pergunta feita anteriormente, em cima da observação feita por Tiririca sobre a existência de “outros interesses” no congresso.
Sem muito esforço, dá pra perceber que o processo eleitoral não é mesmo a busca pelo “bem comum”, a não ser que se refira ao bem comum dos empresários e políticos. E nesse processo – onde se evidencia a luta de classes na qual os políticos, sem exceção, se colocam do lado do capital – as medidas socialdemocratas de cunho levemente keinesiano do PT, que distribui alguns recursos entre trabalhadores e desempregados para aumentar o consumo e encher os bolsos dos grandes empresários e banqueiros, parece ser a salvação da lavoura. O “governo dos trabalhadores” do PT, na verdade poderia se chamar de governo dos banqueiros e empresários.
Se refletirmos bem, é fácil perceber que ações políticas buscam privilegiar muito mais interesses do grande capital. É o que vemos com a reforma do código ambiental, com o leilão do campo de petróleo de Libra (o famoso pré-sal) para empresas multinacionais, com a isenção de impostos e concessão da propriedade pública para empresas privadas e com o investimento em empresas terceirizadas para a construção das obras da copa. Até mesmo nas construções de casas populares, as construtoras saem ganhando mais que os próprios moradores, que enfrentam filas e burocracias para garantir o benefício.
Quando nos perguntamos sobre os interesses de alguém, devemos primeiro descobrir quem é essa pessoa. Se quisermos saber quais são os interesses políticos de determinado grupo devemos nos perguntar a quem ele quer beneficiar. É perfeitamente possível que existam interesses na sociedade que sejam antagônicos, ou seja, contrários uns aos outros. Aumento de salário, por exemplo, é interesse do trabalhador, não do patrão, que sai perdendo com isso. Essa disputa de interesses no interior da sociedade foi o que Marx chamou de “luta de classes”.
Cada pessoa cumpre um papel específico dentro da sociedade, realizam diferentes funções sociais. Consequentemente pertencem a uma classe particular de indivíduos. Se os seus interesses dependem muito de quem você é, sua ação política também vai depender muito da classe social a que você pertence. Claro que isso não é algo absoluto, pois o desenvolvimento de sua consciência é um processo cheio de particularidades, podendo haver exceções no que se refere aos interesses dos indivíduos de uma classe social.
Dá pra notar que alguns interesses são radicalmente inconciliáveis? Isso quer dizer que nem sempre é possível favorecer um lado sem prejudicar o outro. Algumas coisas na vida são assim. Se quisermos mesmo resolver este problema é preciso encarar a realidade. Quer dizer que é possível resolver a coisa toda? Claro que sim!  Por que não? Nós construímos essa sociedade, então, nós podemos “consertá-la” ou até mesmo “reconstruí-la”. Basta tomarmos consciência dos problemas e usarmos o que temos em mãos para eliminá-los.
Perceba que não basta ter força de vontade para mudar a sociedade. Infelizmente as coisas não parecem funcionar assim. Não acha? É claro que é preciso ter vontade para fazer as coisas, mas esta vontade não age sozinha, e ela mesma depende das condições sociais em que nós nos encontramos. A própria incapacidade dos políticos em solucionar as desigualdades sociais não se trata de uma simples “má vontade” da parte deles. Mas então quer dizer que os políticos são inocentes dos crimes de corrupção? Vamos com calma!  Também não é assim. “O buraco é [bem] mais embaixo”. Mas sobre isso falaremos adiante.

3.      Os problemas sociais do Brasil são culpa da incompetência dos políticos?
A corrupção, certamente, é uma das características mais marcantes da política. Provavelmente temos a impressão de que este é um problema especialmente dos políticos brasileiros, mas infelizmente não é bem assim. Apenas temos essa impressão porque vivemos aqui. Lógico que se nos limitarmos ao que podemos perceber em nosso cotidiano, chegaremos a conclusões parecidas com essa. Mas não nos enganemos, o Brasil não é um país “pobre” porque temos muitos corruptos no Estado. Esta não é a causa do problema, mas apenas um de seus efeitos.
Será mesmo que o Estado poderia estar comprometido com as necessidades de toda a população? Esse sistema só não funciona mesmo por culpa dos políticos corruptos? Será algo tão simples assim? Para começar, basta observarmos o cotidiano nas ruas das cidades para perceber que o programa “fome zero” não passou de uma grande propaganda política, com irrelevante validade do ponto de vista real. Imagine se todas as nossas necessidades vitais (saúde, moradia, alimentação) fossem completamente garantidas pelas instituições públicas. Certamente, dentro desta condição, seria mais cômodo para o trabalhador recusar um emprego que não valesse a pena, os patrões precisariam oferecer salários cada vez mais altos a fim de atraí-los para suas empresas e isso certamente iria afetar bastante seus demasiados lucros.
Neste sentido, a miséria e o desemprego são muito úteis para o capital, uma vez que cumprem a função de rebaixar os salários dos trabalhadores empregados ao mínimo possível. Não seria interessante, do ponto de vista do capital, que o Estado garantisse a sobrevivência de todos os trabalhadores, pois é justamente a necessidade de sobrevivência que faz com que estes trabalhadores não vejam outra saída a não ser vender sua força de trabalho, mas o Estado não pode deixar que se torne visível este seu comprometimento com as necessidades do capital, pois isso seria um grande perigo para a conservação da sociedade capitalista. Esta contradição é velada quando tudo parece ser apenas um problema da corrupção do Estado, e não que o Estado seja parte do problema. A corrupção, neste caso, é somente a aparência deste problema, não a sua essência.
Mais acima, concluímos com a ideia de que a incapacidade do Estado em solucionar as desigualdades sociais não é culpa da “má vontade” dos políticos. O governo, ao reprimir as greves dos trabalhadores, ele não o faz simplesmente por ser um incômodo aos políticos, não é simplesmente isso, apesar de serem escolhas, é necessário analisar as condições em que estas escolhas foram feitas.
Os políticos tomam suas decisões porque este é o seu papel dentro do Estado. É exatamente para isso que serve esta instituição política, para impor as necessidades particulares de uma classe social sobre as demais. Quando o Estado se comportou de maneira diferente?
Quando os políticos tomam medidas que prejudicam os trabalhadores, estão justamente cumprindo sua função dentro da máquina estatal. Eles se percebem constrangidos a realizar este papel, incorporando profundamente estas exigências como se fossem fruto de sua própria vontade. Aqueles que não incorporam estas vontades não conseguem apoio político para assumir um mandato, ou até mesmo se frustram com a política, como parecia ser o caso do palhaço Tiririca. Assim, a vontade pessoal de um político específico não vai ser atendida se não estiver de acordo com os interesses citados acima.
Esta situação é perfeitamente possível. Imaginem, por exemplo, que um trabalhador, quando decide procurar por emprego, não faz isso simplesmente porque esta é a sua vontade, ele o faz porque é constrangido a fazer, porque se não fizer, não encontrará outro meio de sobreviver. O trabalhador busca por alguém que explore sua força de trabalho, uma situação que só observamos de maneira generalizada no capitalismo, ao contrário do escravo, que era forçado a trabalhar, o assalariado caminha com suas próprias pernas para o local onde será explorado.
Do outro lado, um empresário não pode tomar decisões que prejudiquem a sua condição social, ou ele correrá sérios riscos de perder seu negócio, uma vez que está concorrendo com outros empresários pelo mercado consumidor. Desta forma, ou ele explora seus trabalhadores o máximo possível, ou corre riscos de entrar em falência. O patrão não é a personificação do mal, isso não existe. Ele apenas está realizando sua função enquanto classe que explora a força de trabalho alheia, sendo, na verdade, uma personificação do capital. Ele só é burguês enquanto colocar em movimento as forças sociais que reproduzem o capital.
Pode parecer confuso, mas esta é a maneira como se comportam os indivíduos no capitalismo. Realizam suas funções mesmo que não tomem consciência disso, mesmo que ajam de maneira alienada, ou seja, sem reconhecer a essência de suas ações, mas percebendo somente a aparência que elas tomam. Essas foram as observações de Marx, Mészáros e outros pensadores que investigaram profundamente o sistema do capital. É claro que não será possível aqui expor todos os detalhes desta relação, a intenção aqui é somente chamar a atenção para a complexidade deste problema, pois se trata de algo muito mais complicado do que imaginamos, é necessário muita paciência para encontrar as respostas certas.
De maneira geral, a atividade política dos indivíduos se baseia muito na classe social que eles representam. Em nossa sociedade os interesses que prevalecem são os interesses do capital. A grande questão é que o Estado não é capaz de contrariar estes interesses. Mesmo que mude sua forma (mudando a maneira de se fazer política) sempre garante a acumulação do capital. Quando isso não acontece, as classes dominantes reagem de forma violenta. Abaixo traremos dois exemplos históricos para melhor entender estas questões: o caso chileno e o caso russo.

4.      O Estado pode controlar o capital?
A democracia tem origem na palavra grega demokratía, que é composta de demos (povo) mais kratos (poder). Esta palavra carrega o sentido de que o poder é exercido pelo povo. Entretanto, na prática, é preciso uma discussão mais profunda a respeito deste tipo de regime político. Até aqui vimos que é uma grande “injustiça” culpar a corrupção isoladamente por todos os problemas políticos brasileiros ou de qualquer outro país. Tudo indica que o problema é muito mais sério que isso. O que estamos querendo mostrar é que tudo depende da maneira como nossa sociedade está organizada. Neste sentido, o nome desta sociedade (capitalista) já dá uma boa dica de quais interesses predominam na cena política. Este foi o tema central do ponto “Quais são os ‘outros interesses’ da política?” mostrando, inclusive, que alguns desses interesses são antagônicos. Nem sempre é possível agradar gregos e troianos.
O ponto anterior teve como objetivo chamar atenção para a função social do Estado, ou seja, qual o seu papel em nossa sociedade. Bem, tudo leva a crer que o Estado não existe para solucionar as desigualdades sociais, mas, ao contrário, serve para reproduzi-las. O Estado não serve para controlar o capital, independente da forma que tome. Isso não depende da simples vontade dos parlamentares, não se trata apenas de querer fazer uma política diferente. Os “outros interesses” por traz do Estado são os interesses do próprio capital, é isso que está em jogo para os políticos. São as necessidades do capital que prevalecem na política atual. Mesmo quando os políticos agem contra os interesses do capital, logo são forçados a abandonar suas funções.
Tudo bem, agora chega de abstração e vejamos alguns exemplos. No Chile, o governo de Salvador Allende, que tentou realizar uma drástica reforma agrária e a nacionalização das indústrias, provocou uma reação violenta das classes dominantes chilenas. Estas, com o apoio dos Estados Unidos da América, arquitetaram um golpe militar, que chegou ao extremo de levar o país a uma das ditaduras mais violentas da América Latina, a de Pinochet.
Basta fazer uma pequena pesquisa para confirmar este caso. Quando o Estado chileno tentou tomar o controle do capital, logo encontrou a violenta resistência de suas personificações (sobretudo as classes da burguesia industrial e latifundiária). A forma de governo ditatorial do Pinochet, por sua vez, apenas mudou a maneira de se fazer política da sociedade chilena, sem alterar sua estrutura econômica, além de preparar o terreno para as mais intensas reformas neoliberais do continente. Estes fatos revelam que o Estado serve como ferramenta utilizada pelo capital para perpetuar o seu regime.
Quer dizer que se o Estado chileno tivesse concluído a nacionalização das indústrias e a reforma agrária, ele teria mesmo controlado o capital? Bem, tudo indica que não é bem por aí. Podemos observar, por exemplo, os resultados da revolução russa de 1917. A princípio surgiram inúmeros conselhos operários (soviets) assumindo a direção de diversas fábricas por toda Rússia. Aos poucos o Estado, sob a direção do partido bolchevique, tomou novamente o comando político da sociedade, além de se transformar no grande gestor da economia.
Ainda assim, a revolução não se generalizou nas relações sociais de produção, ou seja, a maneira como os indivíduos produzem as riquezas da sociedade continuou inalterada. Assim, como as bases do antigo sistema não sofreram modificações, o capital não foi destruído na antiga União Soviética, conforme István Mészáros afirma em seus estudos. Os trabalhadores continuaram sendo explorados, pois permaneceram sem a posse do excedente produtivo. Entretanto, este excedente, ao invés de ser apropriado diretamente por capitalistas particulares, era apropriado pelo Estado. Desta forma, o que existiu na União Soviética não foi o comunismo, no sentido de uma sociedade sem classes sociais, mas uma sociedade onde a propriedade dos meios de produção foi transferida para o Estado.
Podemos ver que as desigualdades sociais não serão eliminadas com uma simples mudança da direção política do Estado. Não quer dizer que estas mudanças na política não reflitam na estrutura econômica da sociedade. Caso contrário, tais mudanças não fariam o menor sentido. Entretanto, elas não passam de “ajustes” que buscam contornar as barreiras que impedem a acumulação do capital. Neste sentido, ajustes na direção política do Estado podem até proporcionar uma maior eficiência da sociedade capitalista, impulsionando um crescimento econômico do país. Mas não podemos esquecer que este crescimento se reflete de maneiras diferentes na vida de cada um, atingindo cada classe social de uma forma específica e extremamente desigual.
Quando observamos o crescimento da economia brasileira, por exemplo, este crescimento se acumula nas mãos de poucas famílias. Quando o governo faz sua propaganda política, é muito conveniente ignorar que nem todo mundo se beneficia do vangloriado crescimento econômico. Quem acumula a maior parte da produção de riquezas do país são os capitalistas. Tanto o partido dos trabalhadores, quanto qualquer outro partido que esteja no poder, governa, na verdade, para o capital. Não importa qual seja o regime político. Seja ele extremamente autoritário como os fascistas (a Alemanha de Hitler), seja ele uma ditadura militar como os anos de chumbo no Brasil, ou até mesmo um regime como a nossa atual democracia representativa, o Estado moderno é sempre o Estado do capital. Além do mais, por mais vantajosas que sejam as liberdades democráticas para os trabalhadores, elas são mais vantajosas ainda para o capital. Como isso é possível? Bem, estas serão as cenas do próximo ponto.



5.      A democracia na política e a ditadura na economia
Primeiramente é preciso relembrar algumas ideias apresentadas acima. Vimos que os indivíduos que fazem parte da sociedade possuem interesses distintos, sobretudo no que diz respeito às lutas econômicas como, por exemplo, as lutas por melhores salários. Muito bem, por que isso acontece? 
Cada indivíduo que vive na sociedade cumpre uma função diferente dentro dela, por isso faz parte de uma classe social específica – o que não muda o fato de o indivíduo ter a possibilidade de se vincular ideologicamente a outra classe. Alguns destes indivíduos são responsáveis pela transformação da natureza nos bens necessários para a sobrevivência da sociedade, enquanto seres vivos. Transformam, por exemplo, algodão em tecido, e este, por sua vez, numa roupa. Sem esta transformação da natureza nos bens necessários para nossa existência não seria possível a vida em sociedade. Entretanto, nas sociedades de classes, o fruto deste trabalho não fica nas mãos dos produtores, mas é apropriado por uma classe dominante. Neste sentido, as duas grandes classes antagônicas do capitalismo são a burguesia e os operários (industriais ou rurais). Os operários são os indivíduos que transformam a natureza em riquezas, que são diretamente apropriadas pelos burgueses, as demais classes também ficam com uma parcela da riqueza produzida pelos operários, por mais que também sejam exploradas de alguma forma.
O trabalhador não é totalmente livre ao ponto de escolher onde e como trabalhar. Graças a uma série de processos históricos, que não será possível discutir aqui, os trabalhadores foram separados da terra onde produziam seu sustento, de maneira que já não possuem outra forma de sobrevivência a não ser vender sua força de trabalho em troca de um salário. Neste sentido, o trabalhador é constrangido a procurar por um patrão que o explore. Afinal, pior do que ser explorado é não ter ninguém para lhe explorar. Logo, a liberdade que o trabalhador possui no capitalismo é bastante limitada.
O limite da liberdade entre os indivíduos é um reflexo das suas condições de vida, afinal nem todas as pessoas são iguais. O direito afirma que todos os indivíduos são iguais perante a lei, mas não são iguais do ponto de vista material. Enquanto uns vivem bem, outros vivem mal. Como o direito iguala todos os indivíduos do ponto de vista político, cria-se a impressão de que todas as pessoas são igualmente livres nos outros aspectos de suas vidas. Neste sentido, a democracia cria uma falsa impressão de que toda a população é responsável pela direção política do país, uma vez que elegem seus representantes legais para participar da gestão do Estado.
Enquanto vivemos em uma democracia política, no dia-a-dia de nossos trabalhos vivemos uma verdadeira ditadura. Não possuímos o menor poder de decisão dentro das empresas em que trabalhamos. Os proprietários e seus gestores simplesmente decidem tudo de cima pra baixo. Decidem o que produzir, quando produzir e de que forma produzir. Os trabalhadores simplesmente cumprem estas ordens. 
A própria ideia de democracia precisa ser relativizada e questionada. Apesar da invenção deste modelo político ser atribuída aos gregos, a democracia ateniense, por exemplo, era bem diferente da qual estamos acostumados hoje. Além de ser fundada em uma base social escravista, que também excluía as mulheres e estrangeiros, o sistema político em Atenas não era representativo, ou seja, os cidadãos não escolhiam representantes com mandados deliberativos, as decisões políticas eram tomadas pelos próprios cidadãos em assembleias, e os cargos públicos eram escolhidos por sorteio, de tal modo que os escolhidos apenas executavam as decisões das assembleias.
A ideia de representatividade também é questionada pelo pensador iluminista Jean-Jacques Rousseau
Os representantes do povo não são, nem podem ser, seus representantes; não passam de seus comissários, nada podendo concluir definitivamente. É nula toda a lei que o povo não ratificar diretamente; em absoluto, não é lei. O povo inglês pensa ser livre e muito se engana, pois só o é durante a eleição dos membros do Parlamento; uma vez eleitos, ele é escravo, não é nada. Durante os breves momentos de sua liberdade, o uso que dela faz mostra que merece perdê-la[3].
Segundo o pensamento de Rousseau, a representatividade política que adotamos hoje como modelo máximo de democracia não é sequer uma forma de liberdade política. Os representantes se elegem pelo voto popular, mas tomam decisões a revelia dos seus eleitores. Isso significa que ele possui um mandado deliberativo, podendo fazer escolhas apenas segundo a sua vontade e de seu partido. Não existe vontade popular nas decisões do senado brasileiro, apenas decisões que são tomadas por aqueles que se saíram melhor no milionário jogo eleitoral.
Como este modelo de representatividade foi incorporado por nossa tradição política, ele é reproduzido pelos próprios trabalhadores quando estes se organizam em sindicatos, elegendo direções que possuem mandados deliberativos. Porém, estas direções restritas se tornam alvos frágeis ou fáceis para os governos e patrões que buscam cooptá-las, fazendo acordos dentro de gabinetes que geralmente acabam em manobras para desmobilizar os trabalhadores.
Criticar a democracia representativa também não basta. Uma “democracia direta” por si só não é uma solução para as classes trabalhadoras, como podemos observar na democracia ateniense, que apesar de ser direta, excluía mulheres, estrangeiros e escravos e não resolveu o problema da desigualdade social. Pois, é inútil para a classe trabalhadora pensar em novas formas de organização política sem antes pensar no caminho necessário para tomar o controle das riquezas que produzem coletivamente com o seu trabalho, mas que são apropriadas de maneira privada pelos seus patrões. Contudo, esta realidade já está tão enraizada em nossa sociedade que até parece natural que as coisas sejam desse jeito. “É assim e ponto final”.
Na sociedade capitalista, falar no fim da propriedade privada é um sacrilégio muito maior que todos os pecados cristãos juntos. É simplesmente inaceitável. Para o dono da empresa, é inconcebível pensar em dividir o controle da produção entre os seus trabalhadores. Mas será mesmo que as coisas têm que ser assim? Bem, certamente elas nem sempre foram desta forma. Foram necessários muitos séculos para que os capitalistas conseguissem conquistar este poder. 
Seguindo este raciocínio, o verdadeiro poder da sociedade não está na escolha de seus representantes legais no Estado, mas no controle das riquezas socialmente produzidas. Quando a democracia cria esta aparência de liberdade, está apenas reproduzindo uma realidade alienada, que não revela sua verdadeira natureza. A intensificação das alienações apenas facilita o controle da vida social pelo capital, uma vez que oculta dos indivíduos a verdadeira origem das desigualdades sociais e a maneira de resolvê-las.
Votar em um candidato diferente nas eleições não mudará em nada a raiz dos nossos problemas. Não é desse poder de decisão que nós precisamos. Vamos pensar um pouco a respeito. Claro que não se trata de problemas fáceis de resolver, e cada um precisa se convencer da coisa certa a fazer. Precisamos perceber que enquanto realizamos a democracia nas urnas, vivemos sob uma verdadeira ditadura no trabalho. Não decidimos nada em nossos empregos. 
Chegando ao fim das reflexões que fizemos sobre a nossa democracia, como pensar numa resposta para a pergunta colocada no título deste artigo? Por que votar nas eleições?
Sinceramente, você também compartilha de um sentimento de desesperança quando percebe que o simples ato de votar não faz muito sentido? A falta de perspectiva na política lhe causa uma sensação de que tudo está perdido? O que realmente nos impede de mudar? Pense no que poderia ser feito se as decisões tomadas em nosso trabalho fossem coletivas? Todos poderiam se satisfazer, uma vez que a sociedade já produz em abundância (as crises de superprodução estão aí para comprovar isso). Poderíamos votar no que produzir, em quanto tempo produzir, como produzir e, o mais importante, o que fazer com esta produção. Fala a verdade, este voto sim valeria a pena.

6.      Qual alternativa possível?
De dois em dois anos, o país suporta o frenesi das campanhas eleitorais. Com o cinismo de costume, os candidatos e seus coligados aproveitam a situação para por em primeiro plano a necessidade de se investir em saúde, educação e outros serviços básicos, como se tivesse sido habitual em todos os mandatos anteriores, seja do partido de oposição ou da situação. Por acaso você já se perguntou o porquê de ano após ano, mandato após mandato, a situação nunca mudar significativamente para os trabalhadores? As contradições da sociedade são um mero problema de gestão? Ou são elas inerente ao próprio sistema? Por que motivo nenhum governo, em nenhum lugar do Brasil e do mundo, ao longo de tantos anos, foi capaz de resolver tais problemas sociais tão conhecidos por todos, como o desemprego, analfabetismo, fome e qualidade em serviços como educação, saúde, transporte? Por um acaso existe algum partido capaz de resolver tais conflitos?
Durante as campanhas eleitorais, existe sempre a preocupação, por parte do conjunto das forças ditas democráticas, dos partidos de “direita” ou de “esquerda”, de fazer com que o máximo de eleitores vá às urnas para cumprir seu dever de cidadão. Essa propaganda política possui grande importância para o Estado democrático da burguesia, já que existe um ceticismo crescente, que permeia no seio da população, quanto à utilidade das eleições, visto nas mobilizações de junho (2013), contra o aumento da passagem de ônibus e outras pautas, e também nas mobilizações contra a corrupção na copa das confederações (2013) e na copa do mundo (2014).
Todos os candidatos professam um discurso puramente falacioso. O grupo que governa fala os investimentos feitos para melhorar o país (geralmente usando exemplos que são exceções, ou que não são tão verdadeiros assim). Os que compõem a oposição, por sua vez, falam da corrupção dos atuais mandachuvas (o que não deixa de ser verdade, mas nunca sendo uma exclusividade apenas destes) e que estão prontos para assumir a administração para lutar por um país melhor. A história vem demonstrando que a corrupção é algo inerente ao Estado, qualquer um que se integrar a ele tem que se adaptar a isso. Os políticos estão sempre envolvidos em algum caso de corrupção e/ou de desleixos de administração.
Mesmo assim, não aparece no discurso de nenhum candidato que estarão integrados lado a lado com a ditadura de classe da burguesia. Ao sinal de qualquer luta autônoma de trabalhadores contra as ofensivas às suas condições de vida, o Estado estará de prontidão para defender a ordem e a lei com a autoridade e repressão que for preciso, e com isso estarão cumprindo nada mais que seu papel.
A precarização atual da sociedade ocorre em meio à intensificação brutal da crise capitalista, estando intimamente relacionada a ela. Encurralados pela crise, os Estados implementam cortes sistemáticos nos setores públicos: diminuem os salários dos trabalhadores; aumentam o número de contratados temporários (REDAs); estendem a jornada de trabalho, tornando mais duras as condições de trabalho; deixam no maior abandono as instalações educacionais, de saúde ou de qualquer outro serviço que atenda o público de massa, abrindo espaço para o estabelecimento de empresas privadas.
O que nos espera não é esse futuro privilegiado que anunciam as autoridades, mas sim o pesadelo do desemprego e da precariedade. Essa é a lógica destrutiva do capital.
O capitalismo não tem a menor perspectiva a oferecer algo para a humanidade, a não ser guerras cada vez mais bestiais (como o extermínio realizado por Israel contra os palestinos na Faixa de Gaza), catástrofes ambientais mais trágicas, além do aumento da miséria e da barbárie para a grande maioria da população mundial.
Ainda assim, muita gente continua a concordar com a participação no jogo político como forma de utilizar os espaços das propagandas como meio de transformar a realidade. Como os defensores dessa estratégia não são “farinha do mesmo saco”, nós apresentaremos adiante três visões mais difundidas em nossa sociedade.

A defesa conservadora
Muito embora nenhum partido político tenha coragem de dizer que o mundo em que vivemos é um mundo ideal, a maioria deles defende que devemos encarar a vida como ela é e aceitar que não existe um modelo de sociedade melhor do que a capitalista. Geralmente se baseiam no argumento central de que os seres humanos são naturalmente egoístas, e que a competição no mercado sempre será a alavanca que impulsiona o desenvolvimento econômico. Logo, a defesa conservadora assume uma postura extremamente determinista, ou seja, a competição econômica sempre determinará a maneira como as pessoas constroem a sociedade em que vivem. Consequentemente, se não podemos superar o capitalismo, nossa única opção é aperfeiçoa-lo.
O grande slogan do grupo conservador foi claramente expressado na famosa frase tantas vezes repetida pela ex-primeira ministra britânica Margaret Thatcher, “there is not alternative” (não há alternativa). Na prática, a mensagem que Thatcher estava passando é que não existe nenhuma opção melhor para a competitividade do mercado capitalista. Esta posição ficou conhecida como “princípio TINA” (abreviação da frase em inglês).
Esta opinião é tão forte que nos estatutos e cartas de princípios de partidos políticos como DEM, PMDB e PSDB – apenas para ficar com exemplos mais conhecidos – sequer considera a possibilidade de uma sociedade diferente da capitalista. O máximo a que estes partidos podem chegar em suas propostas é uma defesa vazia do trabalhador diante dos exageros do capital, mas sequer dizem como protegê-los da exploração sem prejudicar os lucros ou sem profanar a propriedade privada da burguesia.
Apesar dos partidos citados não se considerarem necessariamente conservadores, não julgam necessário questionar a viabilidade de uma mudança radical na sociedade em que vivemos, logo buscam conserva-la. Estes partidos preferem pensar na política por si só, sem questionar as bases econômicas sobre as quais cada governo é constituído. Consideram as relações capitalistas como naturais e o governo democrático como o mais civilizado. Logo, defendem a participação política nas eleições que escolhem os representantes do povo como o melhor meio de aperfeiçoar a sociedade capitalista.



A defesa reformista
O discurso reformista é aparentemente mais radical do que aquele analisado anteriormente. Não assumem o slogan de que “não há alternativa”, e alguns grupos chegam a defender abertamente a superação do capitalismo e a construção de uma sociedade socialista. Entretanto, o caminho para isso seria percorrido no interior das próprias instituições políticas democráticas que possuímos hoje, ou seja, acreditam que a luta pelo socialismo deve ser necessariamente encaminhada para o interior do Estado, participando dos processos de decisão dentro do parlamento. A estratégia é basicamente reformar o capitalismo por dentro até que ele deixe ser o que é.
Também defendem o direcionado da luta dos trabalhadores para dentro dos limites dos sindicatos, que exercem um forte controle sobre as assembleias e tendem a encaminhar todas as greves para negociações a portas fechadas com o Estado e com os patrões. Os próprios sindicados, assim como os governos, se baseiam no regime democrático representativo, onde o eleitor abre mão de sua participação direta e escolhe o representante para defender seus interesses em ambientes restritos e controlados por aqueles que os exploram.
De um lado PT, PCdoB e Consulta Popular e, de outro, o PSOL, são exemplos típicos de organizações políticas reformistas. Todos eles enxergam na reforma das instituições democráticas do Estado brasileiro o melhor caminho para favorecer as “classes populares”, ainda que os discursos individualizados assumam particularidades que parecem mesmo os colocar em campos distintos.

A defesa pseudo-revolucionária
Existem ainda aqueles que participam do processo eleitoral com uma justificativa tática, não de conquistar o poder do Estado por vias democráticas, mas de ocupar o espaço das propagandas eleitorais no rádio e na TV, para propagandear uma ideologia revolucionária e denunciar os problemas do sistema capitalista (PSTU, PCB, PCO). Não acreditam que a democracia representativa é o caminho para a tomada do poder político pelos trabalhadores, mas que apenas um processo revolucionário será capaz de tirar os burgueses e latifundiários do poder. Além deste ser um discurso falacioso, tais partidos nutrem em seu âmago o desejo de uma vitória, para assumirem e, como o PSTU, dizer que a remuneração paga a seu político é todo direcionado às ações do partido.

O que fazer?
O passo inicial para uma mudança é duvidar das verdades que crescemos ouvindo. Mas é apenas o começo. A discussão e a busca por conhecimento, seja por livros e jornais, debates ou conversas informais, mobilizações e até mesmo na internet, também é de fundamental importância. Sem perder de vista o primeiro passo, de também duvidar desses meios. Do contrário, é impossível compreender a realidade e assimilar de maneira coerente a situação.
A via eleitoral encontrada por todos esses partidos citados e tantos outros modificará muito pouco a vida social, menor ainda serão os benefícios destinados às classes populares. Vivemos numa época de crise geral desde a década de 1970. Uma crise que alcança todos os setores de produção em todos os países do mundo. A economia capitalista não conseguiu mais alavancar um crescimento considerável desde então. Diante dela, não podemos nos fechar em visões conservadoras, reformistas ou pseudo-revolucionárias, muito menos em visões corporativistas e nacionalistas. Estes métodos certamente leva a luta dos trabalhadores ao fracasso e à impotência, fazem da mobilização algo estéril e desmoralizante. As mobilizações sindicais são a ilustração disso, eles motivam os trabalhadores a entrarem em greve e depois fazem acordos com o Estado e patrões que nunca trazem vitórias significativas. Dessa forma, os trabalhadores se cansam de lutar, achando que nada que façam valerá a pena.
É necessário evidenciar que qualquer candidato, seja do atual governo ou da oposição, que se utilize de qualquer discurso oportunista, são representantes fiéis do regime capitalista. Mesmo que se enfrentem furiosamente, não fazem nada mais que decidir qual a fração mais favorecida com a exploração dos trabalhadores. São todos agentes do capitalismo, controlados pela necessidade que o capital tem de se expandir. Mas graças à tradição e ao hábito, a maior parte da população não se nega a participar do circo eleitoral, por mais tosco que este seja, pois a mistificação eleitoral está estreitamente ligada com a ideia de democracia representativa que temos hoje. Toda a vida social no capitalismo está organizada pela burguesia em torno do Estado, seja ele “democrático” ou déspota.
Infelizmente, os trabalhadores nunca conquistaram nada significativo e permanente lutando pelas vias democráticas do Estado, e notar que isso é apenas uma ilusão é um avanço significativo. A verdadeira força da classe trabalhadora não está nas urnas, mas nas ruas. É possível que uma das maiores lições das jornadas de Junho em 2013 e da greve dos garis do Rio de Janeiro em 2014 foi ter tornado claro que a luta direta pode trazer algumas conquistas. Por outro lado, também ficou claro que a força das massas se esvai quando estas não possuem objetivos claros e uma organização eficiente. Logo, é preciso que os trabalhadores tomem consciência do que precisa ser feito, de que a solução dos seus problemas sociais não está em uma mudança superficial das relações políticas, mas das relações de produção. Os operários precisam tomar o controle de toda a riqueza que produzem com o seu trabalho.
Para alcançar seus objetivos os trabalhadores devem se auto organizar por fora do Estado, pois este não possui a capacidade de solucionar os problemas sociais a que se propõe. A auto organização dos trabalhadores, por sua vez, deve superar os próprios limites da democracia e, necessariamente, da sociedade capitalista na qual são explorados. Durante os momentos de luta, é necessário fazer assembleias gerais nas quais todos possam se expressar, onde os trabalhadores tomem as decisões em conjunto, e não através de representantes, independentemente da forma que chegaram àquela posição. As ordens não devem vir de cima, e sim discutidas e propostas por todos os trabalhadores que estiverem envolvidos diretamente com as organizações de classe, como um conselho operário. Aqueles que irão realizar as deliberações apenas o farão como discutido nas assembleias, sendo que essas funções sejam apenas para realizar esse objetivo, e podem ser revogados a qualquer momento que a assembleia achar necessário. Essa horizontalidade deve ser buscada nesses conselhos, para evitar qualquer tipo de representação absoluta por qualquer indivíduo. Não devemos nos deixar dividir por categorias, território, origem social. Todos juntos devem discutir, decidir e organizar as ações.
A história está repleta de experiência significativas de como os trabalhadores são capazes de criar formas de organização política participativa e horizontal. Recentemente, um militante de um movimento social em Guiné Bissau relatou uma experiência interessante sobre como os trabalhadores estavam se organizando em sua luta por luz e água:
Essa forma de se organizar é recente na Guiné-Bissau. Decidimos nos organizar assim, de [forma horizontal], porque essa “cultura de representação” que temos há muitos anos não consegue cativar toda a massa. Por exemplo, quando íamos às comunidades para trabalhar, só conseguíamos falar com o presidente ou secretário da [associação] local. Toda a comunidade ficava de fora. Então resolvemos nos organizar assim para trabalhar com o povo, permitindo a participação de todo mundo nesse processo. É verdade também que as pessoas [na comunidade] acham um pouco estranha essa forma de se organizar. Estão habituados à “representação” e por isso somos questionados como podemos funcionar sem presidente. Mas já estamos a trabalhar há quase um ano sem presidente e nunca houve qualquer problema. Porque muitas vezes um presidente decide uma coisa que não é vontade da maioria. E nós nunca fazemos isso. Todos são incluídos para que seja tomada uma decisão certa.” – Ailton J[4].
Mas essa não foi a única experiência, em 1871, em Paris, um conselho operário tomou posse da gestão da cidade por quarenta dias, movimento que ficou conhecido como a Comuna de Paris. Os trabalhadores se autogestionaram nesse período, logo após a França ter perdido a guerra contra a Prússia e ter enfraquecido. Apesar de ter ficado em vigor tão pouco tempo, a Comuna já tinha promovido diversas mudanças que melhoraram significativamente a condição de vida das pessoas. Tamanho era o sucesso da investida operária, que os governos da França e da Prússia, a pouco mais de um mês inimigos de guerra, se juntaram para dizimar os trabalhadores da Comuna.
Em 1917, os trabalhadores chegaram ao poder na Rússia por meio da revolução soviética. Decerto esse movimento foi fortemente influenciado por ideais internacionalistas e contra a propriedade privada, em prol dos trabalhadores. Por um tempo, as decisões políticas e econômicas foram repassadas para os sovietes – conselhos formados por operários, camponeses e militares. A intensão dos sovietes era tomar o Estado e enfraquecê-lo aos poucos, para que ele se tornasse desnecessário. Porém, essa tática fracassou e em muito pouco tempo houve uma institucionalização do poder e da propriedade, que foi transferida para o Estado, tornando-o mais forte e perdendo de vista todos os princípios que antes existiam naquele movimento. O resultado disso foi a União Soviética que conhecemos hoje.
Experiências como essas são indícios da capacidade dos trabalhadores se auto organizarem de maneira horizontal, não representativa e por fora do Estado, porém trata-se de casos limitados. Nenhum desses exemplos são citados aqui para serem copiados como modelos perfeitos, mas para percebermos a verdadeira força que os trabalhadores possuem em suas mãos. Quando as decisões sobre a produção da vida, das coisas que nos permitem viver em sociedade, estão nas mãos dos trabalhadores, nenhuma outra classe pode sequer pensar em meios para dominá-la. Devemos almejar a construção de uma sociedade nunca vista antes, algo que possamos construir através dos princípios de solidariedade entre os trabalhadores de todo o mundo.
Já que as eleições não nos trazem nenhum horizonte, o que pode nos fortalecer é um método que amplie e estenda nossas lutas, numa união organizada e autônoma de nossas mobilizações. Não podemos enxergar apenas os nossos problemas cotidianos de forma isolada, devemos alimentar a formação de uma solidariedade entre a classe trabalhadora, para que possamos tocar a raiz dos problemas da imensa maioria das pessoas. Somente desta forma mudaremos o curso da humanidade, que já se encontra sem perspectivas diante do mundo do capital.

A liberdade plena se encontra, como nunca antes na história, bem diante de nós, porém, é necessário um grande salto para poder alcançá-la!

LABUTA, Vitória da Conquista, Outubro de 2014.




[1] http://www.folhape.com.br/cms/opencms/folhape/pt/politica/noticias/arquivos/2011/outubro/2492.html
[2] http://noticias.terra.com.br/eleicoes/2008/interna/0,,OI3146373-EI11868,00-Doacao+da+Gerdau+ao+ Psol+abre+debate+ideologico+na+esquerda.html.
[3] ROUSSEAU apud MÉSZÁROS, István. Para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2002.

[4] Passa-palavra (Guiné-Bissau: uma luta por luz e água). Disponível em: http://passapalavra.info/2014/08/98833.